sábado, 22 de agosto de 2015

O Primeiro Horror.

"Não posso dormir com o barulho das águas.
 As ondas rancorosas ressoam as mágoas,
 De pobres almas que no mar ganharam sentença
 Então me levanto, e dou ao oceano minha presença.

 A madrugada fria ganha força com vento,
 Mesmo em devaneio percebo o aumento
 De maré se arrastando lânguida pela areia,
 E das sórdidas águas emerge uma sereia.

 Não como nas histórias de fantasia,
 Pois dessa mulher eu sentia a agonia.
 Seu espírito jazia alquebrado
 E seu corpo, ao mar acorrentado.

 Sua voz rouca implorava por ajuda,
 Não consegui mover, senti a garganta muda.
 A farroupilha sereia começou a deformar,
 Seu fraco corpo e a areia estavam a se misturar;
 Num instante de horror e pânico excessivo,
 Meu corpo logo me tornou vivo;
 Corri para a choupana beira-mar
 Tranquei a porta
 Esperei a noite acabar.

 O medo me fez curioso, embora sentisse uma forte cólica;
 Mas venci meu receio, fui entender a aparição diabólica.
 Na mesma hora, do seguinte dia, retornei à praia;
 Logo em seguida, vi algo preso na raia
 Que coloquei para delimitar o lado seguro para nado,
 Mas naquela hora
 Nadar não seria meu fardo.

 Um corpo singularmente familiar,
 E quase vomitei
 Quando vi
 Meu corpo estava a balançar.
 Virei-me para ceder ao medo novamente,
 Porém, perto da choupana vi algo surpreendente ;
 Uma figura se movia em lentos passos :
 Possuía duas cabeças
 E seis braços.
 Proferia sem cessar, um canto em línguas estranhas,
 Então logo senti um calor nas entranhas.
 Sangue.

 Acordo suado e pela janela só vejo o dia raiando,
 Olho pela janela e me sinto aliviando.
 Tudo não passara de sonho,
 Exceto pela poça de sangue em minha cama."



A Lenda de Kathakós

"Sob a terra, descansava Kathakós, a Deusa antiga da pureza.
 Nascida de uma espécie surreal de fogo,
 Que pode arder até embaixo d'água;
 Inspirava o sonho dos apaixonados
 E guardava consigo os suspiros amorosos.

 Diziam que vivia sob o Bosque dos Inseguros,
 Ante a trilha que levava direto ao povoado.
 Suas canções poderiam ser ouvidas,
 Quando os morangueiros estavam em flor;
 Mas só aparecia do noite, e apenas a um homem,
 Cuja música tocasse seu coração de opala.

 A mentira se disfarça de gracejo;
 O lobo se disfarça de cordeiro;
 E o veneno ganha gosto de licor.

 Se os olhos versam sobre o pudor de alguém,
 Não devia ter olhos, o jovem Sêftis.
 Sua natureza concentrava uma arte bela
 E obscura.
 Sua voz se confundia com o canto dos pássaros
 E suas palavras, com o sibilar das cobras.

 Em uma noite de inspiração, foi ao Bosque dos Inseguros;
 Com seu bandolim nas mãos;
 Cantou sozinho entre as altas árvores;
 Até a fome lhe fazer parar para colher morangos.

 Dentre as árvores sai uma estarrecedora figura :
 Uma mulher com o dobro de tamanho do jovem;
 Uma pele cinza-claro,
 E uma sorte de gemas encrustadas em todo o corpo.
 Seus cabelos eram de cor verde-mar, com um brilho intenso;
 Possuía três olhos, cujo um era em sua testa,
 Aparentando ser feito de cristal púrpura.

 Sêftis recuava, ofegante.
 Então a grande mulher para;
 Gentilmente encosta a ponta dos dedos na garganta,
 E canta uma melodia poderosa,
 Que vai além de qualquer uma que o jovem já ouvira.
 A imensa mulher revela ser a Deusa Kathakós;
 E mais, jura amor ao jovem de canção encantadora;
 Oferece-lhe o que existe de mais valioso.

 As visitas de Sêftis ao bosque ficam mais comuns,
 Leva a Deusa uma variedade de presentes,
 E sempre que possível, pede algumas das joias
 Que enfeitam seu corpo.
 As joias são partes da Deusa, não adorno.

Enciumado e ganancioso, o jovem de língua afiada;
Fala coisas à Deusa,
Coisas imundas e desgostosas.
Até que ela comece a sentir algo novo...

Tristeza.

Na noite seguinte, Kathakós não vai ao encontro do jovem,
Mas esse a procura por toda a noite.
Canta às árvores palavras de arrependimento
Que não poderá dizer a quem devia ouvir.

A mística mulher aparece no fim da canção,
E canta algo que diz perdoar o rapaz.
Ela ajoelha e estica a mão
Ele vai devagar ao encontro...
As mãos se tocam.

Com a outra mão para trás das costas,
Sêftis puxa seu punhal e o enterra
No olho de cristal da Deusa,
Fazendo a gema cair na grama.
O jovem a recolhe e corre em disparada.

Com estranha dificuldade de se mover,
E um som baixo de choro,
A Deusa fica de joelhos em meio a floresta
Esperando seu amado voltar
Para lhe pedir desculpas mais uma vez.

O dia amanhece e ele não volta.
Os dias passam e ele não volta.
Os anos passam e ele não volta.

Kathakós volta para o subterrâneo de onde veio
Chora para o fogo,
Lamenta.

Incapaz de cantar outra vez,
A Deusa se parte em milhares de cristais escarlates.
Diz a lenda, que esses cristais virariam os corações
Dos verdadeiros poetas,
Pois são puros como Kathakós foi;
Sem vingança,
Sem medo,
Amando do primeiro ao último minuto."

Dedicado ao coração mais puro que já conheci.
C.

domingo, 16 de agosto de 2015

A Colmeia - Final

Chuva de Malaquita.

"Quando cessarem os risos
 As pernas tremerão;
 O mundo será puro outra vez,
 Mas as Vespas ficarão." - Juramento de passagem das Vespas.

"Aurora chorava e sentia seus joelhos falharem.
  Queen Bee não possuía a mínima expressão. Pudera; também, afinal era uma machina.
   Não existia apenas uma Queen Bee. Esta era um androide funcionário como qualquer outro, mas usado por unidades individuais. As próprias machina se recriavam e estabeleciam uma autocracia silenciosa e violenta. Porém a real mão que move os cordões está a aparecer.
  A luta de lança contra ferrão se desenvolvia ao fim da tarde; enquanto a Colmeia se retira para suas casas para tomar banho, jantar algo quente e dormir em aconchego visto que a tempestade está vindo; Queen Bee e Aurora valsam perigosamente num desfiladeiro mortal. Por dentro da máscara, a última Vespa daquela Colmeia sua e seu rosto treme sentindo a morte caminhar a passos largos em sua direção. A Abelha Rainha não pisca, move um lábio ou músculo da face sequer. É uma perfeita boneca ; produzida para não ceder perdão a ninguém. A lança branca da Rainha machina passa a milímetros de Aurora, e esta aproveita para enterrar seu ferrão na garganta da adversária. O alaranjado Mel escorre e suaviza o perturbador rangido metálico do dilacerado pescoço robótico; derrama como fosse um mais requintado e nobre sangue e cobre o vestido listrado de branco e amarelo da Rainha. Uma rajada de vento frio alerta Aurora sobre a tempestade e esta corre desesperadamente para um canto do circular muro branco da colmeia; e habilmente o escala, nas partes que possuem rachaduras e sulcos que auxiliam sua subida. No topo do muro olha para a cidade e a vê esvaziando com a primeira hora da noite. Uma distante fábrica parece ter iniciado as atividades, quando todas estão já paradas. Uma nova Queen Bee está sendo produzida; e isto proporciona um hiato de tempo para que Aurora comece a correr desesperadamente e aos prantos , para o gabinete da Rainha, no centro.

  Professor Tylor chega em sua casa; sujo, malcheiroso e encharcado de suor e medo. Reflete sobre o turbilhão de fatos dos últimos dois dias e sente uma fraqueza tomar conta de seu corpo. Sente-se sozinho e desesperado, e vai à janela tomar ar. Vê uma sombra pular pelos telhados das casas, e num misto de espanto e alegria; corre para a porta, magnetizado pela figura sombria, mas quando toca na maçaneta ouve pingos de chuva atingirem a rua. Uma estranha chuva verde começa a cair na Colmeia.

  Aurora corre rápida e agilmente pelos cantos remotos da cidadela visando o contro, quando ouve um relâmpago e um lampejo sai das nuvens de tempestade e acerta o mar, a uns quinhentos metros do muro da Colmeia. Uma fina chuva verde começa a cair, e Aurora se lembra imediatamente do ditado de sua mãe : "Quando começar a tempestade esverdeada, melhor estar mascarada." Pôs a máscara em rosto e sentia os suaves pingos acertando o desgastado metal.
 Só a jovem Vespa sabia o que iria acontecer agora, mas mesmo assim, correu em direção a torre do gabinete.

  A chuva de malaquita esfumaçava quando acertava a água do mar. Da borda da praia ao lado da Colmeia, algo começava a emergir. Uma abominável figura de tamanho e proporções indescritíveis irrompe da água. Sua pele era um misto de marrom e verde, feita de material que parecia tanto orgânico quanto rochoso. Possuía doze braços, seis de cada lado; e de cada um desses, um ferrão semelhante ao das Vespas, porém saídos das costas da mão. Sua cabeça era semelhante a de uma formiga pote-de-mel do deserto, porém possuía um espécie de barbatana que saía pela cabeça e descia até metade das costas. Esta besta era a encarnação de todo o desespero que existia, e as Vespas, desde a antiguidade o chamavam de Snasitir'Bh. A imensa besta proferia sons que se pareciam com uma linguagem; porém impronunciável às bocas humanas. Em poucos passos estava na borda da Colmeia. Seu corpo abrira milhares de poros e deles saíam imensas formigas pote-de-mel, marchando para dentro da cidade. Os moradores da Colmeia enlouqueceram com a insana imagem, e desesperadamente corriam em círculos, buscando abrigos ou dispersando seu desespero. Os que iam ao portão eram rapidamente empalados pelas lanças dos Zangões, que estavam a tapar qualquer possível saída. As formigas atacavam qualquer pessoa; e depois de matar, enterravam uma espécie de ferrão abdominal e drenavam o que seria o sangue, mas por alguma reação substancial com o ferrão, o sangue tornava-se o combustível Mel.
  Os trovões caíam violentamente, as formigas chacinavam todos e a demoníaca e imensa criatura proferia palavras perturbadoras em uma língua desconhecida, com as mãos agarradas aos altos muros.

  Aurora apenas ouvia o horror desencadeando-se pela Colmeia : Os gritos histéricos, os apavorantes chiados das formigas e aquela língua perturbadora. A Vespa, entretanto, juntou coragem para superar o desgaste físico e o medo e continuar subindo as escadas da torre. Na porta do gabinete, ouviu um curioso som de música melancólica, e devagar abriu a porta. Um androide operário tocava um clássico instrumental ao piano e parecia ignorar a catástrofe subsequente. Aurora aproximava-se devagar e sorrateiramente da machina , quando sentiu uma forte dor no peito. Quando, tremendo, olhou para baixo, viu sangue escorrendo pela roupa e um pontiagudo cristal atravessando seu coração. O corpo da jovem Vespa desabou na poça de sangue, e por trás estava a nova Queen Bee, com um ferrão semelhante ao das Vespas, porém feito de um cristal azul. O sangue de Aurora espirrou em seu rosto inexpressivo.
  Queen Bee e o androide pianista dirigiram-se para a outra porta do gabinete.
  No terraço da torre, Os dois androides olhavam fixamente para a ciclópica criatura, que quando avistou o par, parou de proferir a linguagem estranha. Mais dois machina operários trouxeram para o terraço o piano do gabinete, e o robô pianista voltou a tocar. Uma sonata fria e angustiada se mistura à carregada atmosfera que estava pela colmeia. Os corpos ficaram largados pelas ruas, e a chuva malaquita se misturava ao mel e sangue que se derramava ao lado dos corpos de homens, mulheres, crianças, velhos, jovens, sonhadores, músicos, cozinheiros,atores, atletas, pais, mães, filhos...As formigavas voltavam aos poros do imenso Snasitir'Bh, e quando a última entrou no corpo da besta, ela se dirigia ao horizonte do mar, para descansar novamente nas profundezas. Quando a criatura sumia da vista, todas as machina - Inclusive Queen Bee - Se dirigiam às fábricas de que saíam, de forma ordenada e organizada.

  No esgoto, Tylor e três Vespas corriam para se afastarem o mais possível da cidade, e durante a corrida, Tylor contemplava seu novo rosto : Uma novíssima máscara Vespa."

Não continua, mas não acaba por aqui.



domingo, 9 de agosto de 2015

A Colmeia - Parte III

A Abelha Rainha.

"Não se pode sentir o calor ou frio de alguém estando dentro desta prisão.
  O ferrão de uma Vespa é extensão de seu coração; mas de que adianta mostrar-lhe uma parte se realmente quero entregá-lo todo a ele ? O essencial de manter-se vivo fora da Colmeia é manter acesa a chama já fraca da humanidade nesse perverso e abandonado resto de mundo, mas confesso que a única coisa que mantém a minha chama ainda acesa é o olhar ligeiro e fulminante dele. Ah, o que meu silêncio lhe contaria se falássemos a mesma língua, Isaac.
  A tempestade se aproxima, e espero que o caos das chuvas e ventanias me guie para fora deste fardo sem escapatória."

Aurora.

"A conexão com a antiga vida fora partida; refazer pedra por pedra a grande muro da humanidade é o único recurso disponível.
  Isaac, Prof. Tylor e Aurora caminhavam ligeiramente pelos canais subterrâneos da Colmeia. Isaac não perguntava tanto quanto o professor, mas sempre que podia tentava o contato visual com a Vespa; e sempre recebia nada além de uma expressão sólida e imóvel.
  As Vespas possuíam uma motivação cultural oposta à dos habitantes da Colmeia : Nasciam e morriam jurando à seu ferrão e dedicavam-se a proteger uns aos outros, além de trazer pessoas de dentro da Colmeia para a colônia.
  Se na Colmeia as razões humanas já eram então preservadas, por que fugir ?
Aurora, pacientemente, falou sobre o grande mal. Não conseguia explicar o que era nem como se manifestava, deixando ainda mais questões que se reproduziam febrilmente pela língua do professor, mas morriam singelamente na cabeça de Isaac.
  Antes da próxima pergunta ser proferida à já impaciente moça, ela anunciou que chegaram a colônia. Versou sobre regras de comportamento e sinais que deveriam ser feitos ou evitados.Enquanto falava e subia pela tampa do bueiro, não prestava atenção na colônia à frente. Quando virou-se para ver seu lar, ergueu-se e correu em disparada pela campina, seguida lentamente pelos rapazes.
  As casas de material quebradiço possuíam um certo ar rústico , embora bem polido ; formando um contraste peculiar. A harmonia das Vespas circulando livres pelo dia ensolarado; com gritos saindo de feiras, choros de crianças mimadas, brigas e risadas histéricas enchiam a memória de Aurora...E foi apenas o que lhe sobrou; pois o incêndio geral em uma das últimas colônias de Vespa harmonizava pacificamente com o crepúsculo de pano de fundo.
  Corpos carbonizados ainda abrasados, choupanas que viraram cinzas e um espírito geral alquebrado. Um berro de Aurora irrompe como um relâmpago; em dia de sol. Seu berro abafara os pedidos de socorro vindos de trás. O luto já era forte e agora estava acompanhado de desespero ante a morte.
  O professor corria em direção a Aurora, suado e com um Zangão em seu encalço. Em uma demostração ao limite da agilidade, Aurora punha a máscara e, em fração de segundos seu ferrão estava totalmente transpassado ao corpo fino do Zangão. Mel escorreu pela lataria da machina e então esta desabou. Atordoado,Tylor possuía apenas um campo de visão , mas três focos : O primeiro Zangão que vira destruído, a ofegante Vespa...E a visão que arrebatou o olhar de ambos : Isaac de joelhos com uma lança enterrada em seu abdômen. O mais aterrador era quem segurava a ponta da lança : A própria Queen Bee.

   Uma tempestade se aproximava da Colmeia; podia ser vista da capina em que estavam; e os trovões anunciavam em coro que aquela que viria não possuía nada de natural. Sentia-se um medo geral estranho, mas Aurora sabia o que viria e o que estava buscando.

  Queen Bee não carregava qualquer expressão em seu semblante, apenas olhares mecânicos um pouco mais suaves que os dos Zangões. A abelha rainha encarava friamente Prof. Tylor e Aurora, como se esperasse algo deles; mas a paralisia pela consecutividade de eventos estava os tomando e desenvolvendo um princípio de loucura. A perfeita cidade começava a parecer desmoronar para Tylor,
   A rainha moveu o braço esquerdo para a altura do rosto; fechou os dedos com a mão ainda espalmada e torceu o antebraço para frente, seguindo de um ranger metálico. A tempestade começa a vir ainda mais rapidamente para a Colmeia, como atraída pelo sinistro movimento de Queen Bee.
  A máscara de Aurora cai e seu rosto demonstra um misto de medo e perplexidade.

A placa, as machina, a tempestade, Queen Bee. Os traços do destino começam a se esticar."

Continua...

sexta-feira, 7 de agosto de 2015

A Colmeia - Parte II

A vida secreta das Vespas.

" 5 de Maio
A Colmeia é uma cidadela encouraçada, localizada no coração de uma ilha que é, graças aos céus; perdida. O mundo fora tomado há anos atrás por uma horda de não-se-sabe-o-quê que se recusa a adentrar os mares. Tudo flui perfeitamente aqui, apesar da crise lá fora. Não sabemos o que tomou de assalto nosso velho mundo, mas vemos na atividade extrativista desse curioso combustível "Mel" uma chance de podermos, enfim, reestruturar nosso antigo mundo.

22 de Maio
Uma governante bondosa, porém tão distante; esses bizarros robôs e as curiosas Vespas : Algum desses mistérios eu sinto que devo me aprofundar. Talvez comece por quem me é semelhante.

8 de setembro
Medo, insegurança e um enorme vazio obscuro à frente. Aqui vou eu, com a ajuda do estranho rapaz Isaac e bastante desconfiado sobre o que virá."

Professor R.H. Tylor.

"Tylor e Isaac caminhavam lentamente museu adentro. Uma marcante penumbra e poucas janelas tornavam o lugar com ar claustrofóbico; com uma pitada leve de horror , pelas cabeças de feras estranhas e placas com inscrições complexas. Ambos pararam de frente a uma especial placa. Isaac parou pelo seu entalhe curioso em ouro, e o professor parou porque esta era a razão central de estarem ali.
  O professor explicou ser pesquisador de culturas; mas só podia se interessar por uma das únicas culturas exóticas disponíveis a estudo de campo; a das Vespas. Nunca teve coragem ou oportunidade para se aventurar fora da Colmeia; até o dia que fora chamado para ir na drenagem do poço de Mel. Lá, uma das escavadeiras acertou algo metálico , e as operárias, por alguma razão,decidiram não destruir o achado como qualquer empecilho, mas sabiam exatamente a quem recorrer. Quando chegou à escavação, o professor se deparou com uma placa de dois metros de altura por três de largura e cerca de 25 centímetros de espessura. A placa era simples, sem códigos; mas uma cena peculiar entalhada : Como uma espécie de ídolo, uma grande figura humanoide estava ao centro, de aspecto indescritível - A única parte reconhecível eram um par de pontas que pareciam orelhas ou chifres - Na esquerda do ídolo uma figura com silhueta de mulher trajando um vestido, sendo essa figura com altura de um terço do ídolo; e à direita pequenos seres, proporcionalmente finos e enfileirados.
  Um estranho calafrio transpassou o corpo de Isaac que,um tanto perplexo, se virou para perguntar algo ao professor Tylor, mas viu algo que o deixou completamente paralisado. Por cima do ombro do professor podia-se ver uma Vespa alguns passos atrás; com o ferrão saindo pelo pulso com a mesma paixão que um cavaleiro segura sua espada.
  A boca de Isaac ia começar a balbuciar algo, quando o professor fechou os olhos e suando, concordou com a cabeça. A Vespa começa a se aproximar, levantando o braço com o ferrão na altura dos olhos oculados da máscara metálica.
  Ferrões de Vespa são barras afiadas de prata que, uma Vespa adulta carrega no braço direito, por dentro da carne; e como puderam ver no museu, Isaac e professor Tylor; são retráteis à vontade do usuário. Um desses ferrões vinha na direção da dupla, e brilhava contra a escassa luz do museu.
  A dupla, agora virada para o invasor, estava imóvel e suando frio. A morte vinha a passos lentos, mas parece que algo a deteve.
  A centímetros de distância, rosto-a-máscara estavam Isaac e a Vespa, e esta encarava de muito perto o jovem, como fosse um dos artigos do museu. A Vespa então recua um passo e olha para a placa. Retrai o ferrão, cai de joelhos e seu peito começa a insuflar e esvaziar rapidamente, e um barulho desesperado e abafado vem da máscara, que a Vespa retira com certo requinte, como fosse uma peça de roupa fina. Uma moça ainda mais jovem que Isaac, de cabelos brancos curtos e um pontudo nariz por onde escorriam as lágrimas.
  Estuporado, o professor Tylor ajoelha-se bem devagar e pergunta algo em tom baixo qualquer coisa à Vespa. Uma resposta afirmativa ecoa em doce voz pelo museu e faz os rapazes arregalarem os olhos. Em gestos graciosos e ágeis; esta aponta com a mão para a placa a conta-lhes uma história um tanto curiosa :
 Aonde agora existe a Colmeia, fora apenas uma ilha abandonada. As pessoas se interessavam pela descoberta, paixões, erros, cidades de concreto e ferro e milhas de aventuras pelo mundo inteiro. Em uma noite de forte brilho das estrelas, eles apareceram. Ninguém sabia o que era ou por que estavam lá, e ninguém sobreviveu para relatar qualquer mísero detalhe. O que as lendas das Vespas contam, é que estavam lá para libertar o que adormeceu. Snasitir'Bh era o nome dado pelas Vespas.
  A Vespa apontou para a placa, na gravura do ídolo. Tylor começou a estremecer e Isaac ficou pálido.
  Foram sessões longas de perguntas sobre o povo dela, as lendas, significados...E Isaac apenas perguntou o nome da jovem, se ela tinha um.
  Aurora, era seu nome. A pronúncia dos pequenos lábios pálidos despertou algum incômodo estranho em Isaac. Por fim, ela contou que as Vespas não eram selvagens, mas pessoas fugidas da colmeia. Quando questionada por que alguém fugiria de um lugar tão receptivo e bom, Aurora mostrou um lado obscuro de sua expressão e a ponto de dizer-lhes, a placa então começou a rachar-se sozinha até quebrar, e perdeu seu brilho dourado. Aurora empalideceu rapidamente disse que não havia mais tempo, deviam acompanhá-la. O professor correu a um gabinete e voltou, aos tropeços, com uma pequena bolsa e disse que estava pronto para ir. Isaac fechou a jaqueta vermelha até a gola e acenou com a cabeça. E saíram do museu, caminhando rápido; sem olhar para os lados, mas atraindo a fria atenção dos Zangões.
  Havia um beco estreito , no qual Aurora arrancou do chão uma tampa secreta e disse que o canal dava para fora da colmeia. O professor, sentindo um misto de euforia e medo perguntou à Vespa aonde iriam.
  Ela disse que iriam conhecer a vida secreta das Vespas.

  Queen Bee olhava de seu gabinete, no prédio mais alto da cidade, para baixo; fria e concentradamente. Havia em sua mesa um computador que se desligou ao estralar de dedos da governante. Quando preparou-se para levantar, sentiu algo estranho. O quadro na parede atrás dela possuía uma placa idêntica à placa do museu do professor Tylor, porém menor; que também secou e rachou-se no meio, perdendo seu brilho. Por alguns instantes, Queen Bee ficou parada sem reação; e após um surto de lucidez; mesmo sem expressão, levantou-se e pressionou um botão na lateral da mesa. Um painel eletrônico surgiu em sua frente, com algumas informações em língua estranha, e um gráfico semelhante a um termômetro chamava a atenção. Havia uma meta em vermelho um pouco acima da metade do gráfico, e a barra de cor laranja ultrapassava a meta. Com um gesto veloz do braço, Queen Bee desligou toda a força na sala, pegou uma espécie de bastão com um cristal na ponta e saiu pela porta.

Continua...
 

segunda-feira, 3 de agosto de 2015

A Colmeia - Parte I

Mel e metal.

"Todos amam e saúdam a mamãe.
 Embora só as machina sejam fruto direto dela; e esta nunca tenha pedido ou nos obrigado a se curvar diante da magnificência da Queen Bee, o fazemos com total voluntariedade e prazer. Ela não parece gostar, mas o fazemos mesmo assim.
Acho que nossa grandiosa líder esconde algo embaixo do vestido, que só pode ser visto por quem se ajoelha."

Isaac.

"As ruas da colmeia levam a vários lugares. Lugares de trabalho; como escritórios, construtoras, lojas ou alguma fábrica da LUM. As machina são todas feitas na LUM e suas imensas montadoras.
Curiosos seres, essas machina. São androides arranjados em três padrões : Operários ( Trabalham na obtenção do Mel ), Zangões ( Mantêm a ordem e policiam ) e Verdugos ( Guarda pessoal da Rainha; só podem haver três em atividade ).
  Isaac vaga preguiçosamente pelas ruas semi-vazias da colmeia, em direção ao grande poço de Mel. Não mel comum, mas o nome de substância viscosa e alaranjada que é utilizada como fonte de energia para a colmeia; embora nunca é vista uma gota de Mel fora do poço ou dos veículos de transporte.
 O barulho das operárias forma uma estranha sinfonia aparentemente caótica, mas complementar ao progresso do trabalho.
  E o trabalho não para. Nunca.
Há diversas apresentações musicais, teatrais, cinemas ao ar livre e em salas, banquetes, jogos esportivos e festas acontecendo neste exato momento, tudo sempre gratuito e convidativo. As pessoas de carne e osso trabalham em afazeres voltados às próprias pessoas; como aprendizados. Cozinheiros, alfaiates, músicos, atores, atletas, escritores, professores...Seria decadente supor que as pessoas parasitam o trabalho árduo e incessante das machina, mas , curiosamente; quando a vida útil de um desses androides está a acabar, eles são enviados para qualquer atividade das pessoas.
Assistem imóveis, aplaudem e se retiram; para serem desmontados. Talvez uma última diversão antes...de morrer.
  Isaac fazia o oposto. Era um pontinho carnal, observando o movimento coordenado das operárias; enquanto era observado pelos Zangões. Essa força vigilante dos zangões, chegava a ser misteriosa e incômoda, pois ficava em pontos estratégicos; sempre observando o humano mais próximo, fixamente. Quando o humano saía do campo de visão do Zangão,este voltava a cabeça para frente em um movimento elástico, totalmente mecânico. Seus capacetes eram ornados com quatro vãos emitindo luz amarela, como fossem os olhos.
Estáticos, atentos...E algo mais intrínseco à sua natureza caracterizavam os Zangões.
Eram os únicos que realmente perturbavam Isaac em suas observações diárias; como se o rapaz tivesse ideia do que eles faziam, embora nunca os tivesse visto.
Machina e humanidade; se cruzando diariamente num frenesi perfeito e bem ajustado pelas mãos da Queen Bee.
Em uma manhã mais fria e nublada que o normal; Issac esbarra em um senhor, que ao lhe pedir desculpas, lhe oferece um convite : Ir à exposição de mais novas descobertas arqueológicas por ele promovidas. Seu nome era Raymond H. Tylor.
Isaac olhou para a quadra central, do poço e olhou de volta para o sorriso inocente e simpático do professor Raymond.
Seguiram ambos ao museu, enquanto o prof. Raymond explica seu trabalho fervorosamente ao jovem Isaac.

  As Vespas eram uma sociedade minúscula, que se instalava às bordas dos portões da Colmeia. Não possuíam contato com machina, e levavam uma vida pouco saudável, além de ser voltada para a matança de todos que viviam dentro da colmeia. Homens, mulheres e crianças vespas usavam máscaras com um par de lentes de aumento que se ajustavam apenas com o pensamento. Eram facilmente abatidos pelos Zangões, que faziam turnos de varredura em volta dos portões; obrigando toda e qualquer vespa a se esconder. Lendas são contadas dentro da colmeia em torno deste misterioso povo, que viram até películas, música, histórias...

  Quando Isaac adentra o museu, sente um leve calafrio e olha para trás. Desconfiado, se volta para a frente.
  As esticadas lentes da máscara metálica, dourada e maltratada de uma vespa contraem devagar quando em seu reflexo mostram Issac e prof. Raymond entrando e fechando a porta.
A vespa se vira e vai embora."

Continua...