sexta-feira, 3 de abril de 2015

Sangere Rom.

"Na mais alta torre de sua curiosidade, um estudioso de sociedades exóticas examina o acervo universitário de obras etnográficas.
Seu olhos procuram, incessantes, por algo peculiar entre as páginas dos livros. Tudo passa tão rápido diante dos óculos; letras, páginas, livros...Sociedades Viajantes : Relatos Incompletos.
Esse livro o instigou como o algo peculiar que o estudioso procurava. Sentiu-se como uma criança encontra a mãe em meio a multidão.
Debruçou-se sobre o livro e lá inciou sua caçada. Os nomes dados às sociedades eram quase científicos e pouco se falava sobre as opiniões e fatos puros sobre o que o povo contava, se é que contava algo. Os relatos eram distanciados e frios.
O estudioso enfim encontrou sua alavanca de revolução : Construir um relato com a voz dos exóticos.
Então decidiu escolher quais.
Rovdyr Rom, os sanguinários; Trevirke Rom, os toscos; Hengivne Rom, os benevolentes...Todos os relatórios eram monolíticos e tediosos; e qualquer povo poderia ser revisto. Entretanto um povo particular chamou a atenção : Os Sangere Rom. Na descrição estava "Os Artistas". O relato era curto e perturbador : "Quem os encontra, encontra também sua perdição e não mais retorna para casa."
O estudioso respirou fundo, arrumou sua bolsa de viagens e sua roupa. Hesitou com a mão na vela de seu dormitório e após um longo segundo a apagou para dormir seu possível último sono em uma cama.
Viajou em direção ao norte. Atravessou bosques, rios e por fim alguns belíssimos fiordes. As luzes do sol no norte parecem em fim ganhar um sentido harmônico longe da melancólica e cinzenta cidade que vivia.
Encontrou alguns outros viajantes; fora assaltado, embora tenha conseguido escapar em uma cômica anedota e banhou-se em chuva do norte.
Por fim; lá estavam eles. Parados ao redor da fogueira , no coração da floresta, os Sangere Rom. O coração do viajante experimentou a dicotômica sensação de bombear sangue frio de medo e quente de alegria.
A madrugada invadiu a noite e eles continuavam a cantarolar de forma magnífica canções em uma língua totalmente particular a eles e nova ao estudioso. Este cria coragem e desce a rocha que estava para tentar se apresentar a a eles.
"Quem os encontra, encontra também sua perdição e não mais retorna para casa"
A cantoria cessou repentina e todos fitaram o estudioso, que andou a eles de cabeça baixa e devagar.
Nada fizeram, apenas o observaram.
O estudioso parou e observou a reação do povo andante.
Todos o observavam. Um frio lhe correu a espinha e ele sentiu louca vontade de correr de volta à pedra.
Um deles se movimenta. Pega o alaúde e dirige-se ao estudioso em perfeito sotaque :
-Sente-se.
O estudioso obedece de pronto e senta na grama. Apreensivo
Os acordes começam a ganhar força nos alaúdes em sua volta; todos em perfeita sincronia. Uma mulher sai de dentro de uma das tendas espalhadas; fecha os olhos e começa a cantar com explêndia voz :

"Somos os Sangere Rom, filhos da floresta.
Cantamos com os tordos, tentilhões
E a luz do sol.

Nosso caminhar é lento
Nosso canto é sereno
Nosso coração é ameno.

Temos a floresta de coberta
A grama de cama
E a lua de vela.

Nossa fé é a música
Nossa música é o amor
Nosso amor é o ouro.

O caminho é muito longo 
E não vem de qualquer parte
A vida é muita curta 
E não vai lugar algum

Apagamos as velas de noite
Pois o fogo das florestas
Está em seu próprio coração
E arde sem queimar."

Depois do canto de apresentação, os Sangere ofereceram farta ceia em recepção ao perplexo estudioso, que ouvira cada palavra (Em sua própria língua, o que reforçou o espanto) da bela e simples canção.
Seus temores eram reais.
O estudioso não voltou mais para casa; juntou-se aos Sangere Rom e o último relato que fez na vida foi a felicidade cantada que se instalou em seu coração pelo resto de seus dias."

"O que impressiona o homem no espetáculo dos outros homens são os pontos em que se assemelham" - Claude Lévi-Strauss.