sábado, 31 de outubro de 2015

Separate Ways - Parte I

  O dia dos mortos.

"Erní observa o sol em seus últimos segundos no horizonte. O Morro da Memória de Aurora era o ponto mais alto da cidadela de Mikistlicatán; de lá era possível observar todos os preparativos finais para Lo día de los muertos. O povo da cidadela acreditava que durante a noite deste dia, os mortos comungariam o mundo que outrora já lhe pertenceu. Porém também sabia-se que quando voltavam a estar de pé, os mortos não possuíam espírito ( Yol ) e portanto, apenas o pior da humanidade carregavam em si : Cruéis, assassinos, vingativos, canibais, e tudo de ruim que suas carnes e ossos putrefeitos ainda permitissem fazer. Por essa razão,  os moradores de Mikistlicatán saíam da muralha de pedra-e-cipó e enterravam seus mortos no Jardim da Piedade, a cerca de novecentas braças de distância da cidadela. Festejavam a vida e a morte por dentro, enquanto os renascidos caminhavam pelo lado de fora.
Porém havia uma morte irreversível dentro da cidadela. Uma jovem; que ninguém mais lembra seu nome, origem ou destino; morrera dentro da estranha estrutura; que como contam lendas e boatos, deveria ser uma das fundações da Colmeia que seria instalada ali. Misteriosamente; algo interrompeu a construção, que se tratando dos operários da Colmeia era bastante ligeira; e ali deixou uma marquise inacabada, com seus muros de metal cromado já enferrujado e gasto.
O motivo no qual levara a jovem para dentro das entranhas da sombria marquise era alvo de muitos boatos e histórias, sempre escutadas de uma conversa de taverna ou em sussuros dispersos pelos cantos escuros da cidadela. Uma coisa na qual todos concordavam; pois trazia rastro de existência à lenda; eram os gritos de mulher que vinham de dentro da marquise, sem hora para acontecer; mas tudo durante a noite. O barulho das músicas, danças, tagarelas bohêmios e bêbados fazia abafar um pouco o som dos berros. Por isso, evitavam andar perto das muretas de ferro; excetuando-se os jovens meninos e meninas que se aventuravam e desafiavam-se a se aproximar o máximo possível para ouvir de perto um agourento grito. Mesmo os mais valentes se arrependiam, pois o grito era evidentemente de origem humana, porém contia em si uma natureza sofria e sombria.
O sol se pusera inteiro, e a noite esticava seu véu por toda a Federação. Erní se levantara e estava ansiosa para ir atrás de irmã (Gêmea) Marí. Quando se virou, viu algo totalmente estranho e perturbador. Três homens de togas vermelho-vinho e capuzes que cobriam todo o rosto estavam lá, parados. Havia a sensação que estavam a observando por horas; e como eram tão silenciosos...O medo congelou seu corpo; porém em milésimos de luta interna tentou um movimento rumo ao penhasco.

Nem pode tentar entender exatamente o que estava acontecendo ou pelo menos fugir; um baque por trás e desmaiara."

sábado, 24 de outubro de 2015

A Natureza de Gastão.

"Três horas da manhã. Gastão está sozinho no palco do teatro, rodopiando de braços abertos; cantando ou tendo diálogos solitários. Ora uma comédia, ora uma tragédia. No meio de um recital, lembrou-se do papel em seu bolso; parou diante as cadeiras acolchoadas vazias e com ar solene proclamou seu manifesto :

- Oras. mundo indeciso, ou faz-me apaixonar por ti de uma vez ou escarra-me daqui sem demora ! Explica-me o sentido de toda sua violência parecer tão digna do inferno quanto de uma tela do mais inspirado artista. ( Suspira com desgosto e continua )
 - Oferece-me os mais saborosos banquetes e orgias; e já em estado de quase total embriaguez me dá como derradeiro presente o remorso. Remorso de ter me aproveitado ao máximo dos meus prazeres de mortal; ou por eu ser apenas o humilde eu mesmo. Se estou a me refestelar animalescamente entre Marzipãs de cacau, vinho, música degradante ou os seios de uma prostituta; saiba, cruel mundo, que já enojei-me da premissa de amor que sempre me prometera e me faz sofrer noites acordados e dias em desânimo total. ( Gesticula como em dança, e olha com ira para a "plateia" )
- Após tamanha decepção, recuso-me novamente a perder meu sono, aguardando a sorte soprar em meu favor. Meu sonos tornam-se hibernações profundas, e meu despertar é desanimado e lerdo. Sem razão para me levantar da cama, encho a taça de vinho e nego ao mundo o prazer de meu sofrimento. Esse ficará guardado apenas comigo. Invejo aqueles que já morreram e não se fazem obrigados a serem conduzidos pelo rebanho do próprio destino. ( As lágrimas escorrem e começa a soluçar ) Porém não o darei mais este sabor, e minha tortuosa viela de vida acaba agora ! ( Trêmulo, saca um punhal cuidadosamente afiado e corta a própria garganta, com paciência e calma odiosa ).

O sangue escorre pelo palco e mancha a madeira de vermelho-vinho.

Da plateia ouve se apenas o lento bater de palmas de Mefistófeles, com seu tamanho inumano e silhueta diabólica coberta pelas sobras do lugar mal iluminado que ocupa.


sábado, 3 de outubro de 2015

O Canto Perdido.

"A outra vida soprou-me uma canção desesperada; que outrora fora embalada pelas primeiras Vespas nos esgotos e arredores da primeira Colmeia, ainda antes do primeiro horror.

"De um mundo perdido, falamos.
 Sem ruas ladrilhadas, só o ranger de máquinas;
 O trabalho incessante
 O silêncio agoniante,
 O medo que consome espaço;
 O esperamos das profundezas
 Do Oceano;
 Mas de nossas entranhas
 Vem o cheiro que o atrai;
 Os ferrões nos rasgam
 Mas é o mel que sai.

 A cruel roda do Destino,
 Acende e apaga a Lua,
 Arbitra por tudo que há
 Purifica de forma nua
 Em forma de duas expressões;
 O cara-e-coroa do existir
 E brilho final dos seus olhos
 Nas lanças dos Zangões.

 O sangue ainda é fresco
 E nem por mais mil anos esqueceremos
 Do horror que mostrou sua primeira face,
 Criado na Cidade das Brumas
 Pela desobediência ao Arquimago;
 Mistério que se fechou com Abelha-Rainha,
 Em sua mão,
 Porém nasceu puro
 Nos olhos do Centurião.

 Que algo tenha piedade
 Do que sobrará de nossas almas."

 Um terremoto interrompeu a leitura de Mikhail, e quando olhou para a parede norte da Colmeia, viu a coisa se erguendo."