quarta-feira, 3 de janeiro de 2018

A Boneca.

Uma pequena boneca.
Feita em seda encantadora.
Entregue a uma moleca
Se fez uma história aterradora.

A boneca, então, era viva.
Caminha aos tropeços.
Até sua cabeleira era ativa.
Mas do terror, este foi apenas
Um dos começos.

A sombra do medo ali se deitou.
Em casa, a moleca viu o caminhar macabro
Em silêncio agonizou.

A boneca tinha costura nos lábios.

E andou mórbida para os braços da menina,
Que quanto mais gritava
Mas ouvia que a voz afina.

Então a boneca parou.
Refletiu sobre as lágrimas
E a rejeição aceitou.

O amor pela amiga superou o pavoroso engano
Venceu a barreira do natural,
E agarrou a amiga de pano.

A menina então virou mãezinha.
Costurou, passou, cuidou,
E até perdeu horas na cozinha.

Satisfez como pôde a incrível amiga.
Costurou os olhos de botões
E a roupa na barriga.

Então a boneca gostou.
O tempo passou.
A ser viva ? Abandonou !

Cada dia ficava mais parada.
Até com uma boneca se parecia mesmo
Rendeu-se à uma normalidade
Escancarada.

A menina começava a desmoronar
Ela era sua única amiga
E até quem não tinha para onde ir
O corpo decidira abandonar.

Não suportando mais a inércia
Pegou o grimório de seu mago avô
E leu sobre encantos e dimensões
E magias dos cantos escuros da Pérsia.

Troca de corpo.

Se a boneca não quer ser boneca
Que seja menina !
Rezou por desculpas a Deus,
Pois magia é coisa de quem peca.

Puff.
Sangue.
Pano.
Cabala.
Feito.
Sem defeito.

A boneca era menina
E a menina era boneca.

A nova menina se admirou
Por ser de carne novamente
Mas como era só uma maldição
A vida, no pano, não ficou.

A moleca agora não era nem boneca
Nem moleca.

Ficou em uma estante.
Mas indisposta que a nova menina era,
Pôs-se a deitar.
E assim passava o resto dos dias.
Com a vida nova que lhe foi sacrificada
Só aproveitava
Sentada.

quarta-feira, 27 de dezembro de 2017

Reditus Aeterna Cantiuncula.

 De volta da diária carnificina,
 Uma Loba velha
 Encontra uma abandonada Menina.

 Surrado seu vestido,
 Sangrando pelos poros.
 A Loba ficou de coração partido.

 Arrastou a pobre moça para a caverna.
 Lá havia água cristalina
 Então lavou-lhe o sangue da perna.

 Havia caça sobrando,
 Amontanhada.
 Mesmo com fome, a menina pegou,
 Acanhada.

 Seus dentes a Loba não mostrou,
 Pois sabia que a todos amedrontava.
 A Menina, então, tirou o cinto,
 Pois o punho da espada
 A machucava.

 Por dois dias e duas noites,
 Se alimentou à moda lupina.
 Então uma amizade se deu
 Em meio à caverna de uma rapina.

 Na terceira noite, a Loba sentiu fome
 E um cervo passou na frente da caverna
 Bem à vontade.
 Sem pensar, a Loba lhe estraçalhou
 Sem a menor piedade.

 Enquanto se refestelava
 Não percebeu:
 A Menina em pânico estava.
 Não tardou a reagir
 De forma ordinária:
 Sacou a espada
 E cravou no pescoço
 Da Loba solitária.
 Não se arrependeu.
 O sangue, lânguido escorreu.
 Sem um apropriado fechar de cortinas,
 A Loba, esquecida,
 Morreu.

 A garota caminhou, sem para trás olhar.
 Olhou para o sangue na espada,
 Sem pensar em quantas lobas
 Sua ingratidão e medo
 Iriam matar.

sábado, 31 de outubro de 2015

Separate Ways - Parte I

  O dia dos mortos.

"Erní observa o sol em seus últimos segundos no horizonte. O Morro da Memória de Aurora era o ponto mais alto da cidadela de Mikistlicatán; de lá era possível observar todos os preparativos finais para Lo día de los muertos. O povo da cidadela acreditava que durante a noite deste dia, os mortos comungariam o mundo que outrora já lhe pertenceu. Porém também sabia-se que quando voltavam a estar de pé, os mortos não possuíam espírito ( Yol ) e portanto, apenas o pior da humanidade carregavam em si : Cruéis, assassinos, vingativos, canibais, e tudo de ruim que suas carnes e ossos putrefeitos ainda permitissem fazer. Por essa razão,  os moradores de Mikistlicatán saíam da muralha de pedra-e-cipó e enterravam seus mortos no Jardim da Piedade, a cerca de novecentas braças de distância da cidadela. Festejavam a vida e a morte por dentro, enquanto os renascidos caminhavam pelo lado de fora.
Porém havia uma morte irreversível dentro da cidadela. Uma jovem; que ninguém mais lembra seu nome, origem ou destino; morrera dentro da estranha estrutura; que como contam lendas e boatos, deveria ser uma das fundações da Colmeia que seria instalada ali. Misteriosamente; algo interrompeu a construção, que se tratando dos operários da Colmeia era bastante ligeira; e ali deixou uma marquise inacabada, com seus muros de metal cromado já enferrujado e gasto.
O motivo no qual levara a jovem para dentro das entranhas da sombria marquise era alvo de muitos boatos e histórias, sempre escutadas de uma conversa de taverna ou em sussuros dispersos pelos cantos escuros da cidadela. Uma coisa na qual todos concordavam; pois trazia rastro de existência à lenda; eram os gritos de mulher que vinham de dentro da marquise, sem hora para acontecer; mas tudo durante a noite. O barulho das músicas, danças, tagarelas bohêmios e bêbados fazia abafar um pouco o som dos berros. Por isso, evitavam andar perto das muretas de ferro; excetuando-se os jovens meninos e meninas que se aventuravam e desafiavam-se a se aproximar o máximo possível para ouvir de perto um agourento grito. Mesmo os mais valentes se arrependiam, pois o grito era evidentemente de origem humana, porém contia em si uma natureza sofria e sombria.
O sol se pusera inteiro, e a noite esticava seu véu por toda a Federação. Erní se levantara e estava ansiosa para ir atrás de irmã (Gêmea) Marí. Quando se virou, viu algo totalmente estranho e perturbador. Três homens de togas vermelho-vinho e capuzes que cobriam todo o rosto estavam lá, parados. Havia a sensação que estavam a observando por horas; e como eram tão silenciosos...O medo congelou seu corpo; porém em milésimos de luta interna tentou um movimento rumo ao penhasco.

Nem pode tentar entender exatamente o que estava acontecendo ou pelo menos fugir; um baque por trás e desmaiara."

sábado, 24 de outubro de 2015

A Natureza de Gastão.

"Três horas da manhã. Gastão está sozinho no palco do teatro, rodopiando de braços abertos; cantando ou tendo diálogos solitários. Ora uma comédia, ora uma tragédia. No meio de um recital, lembrou-se do papel em seu bolso; parou diante as cadeiras acolchoadas vazias e com ar solene proclamou seu manifesto :

- Oras. mundo indeciso, ou faz-me apaixonar por ti de uma vez ou escarra-me daqui sem demora ! Explica-me o sentido de toda sua violência parecer tão digna do inferno quanto de uma tela do mais inspirado artista. ( Suspira com desgosto e continua )
 - Oferece-me os mais saborosos banquetes e orgias; e já em estado de quase total embriaguez me dá como derradeiro presente o remorso. Remorso de ter me aproveitado ao máximo dos meus prazeres de mortal; ou por eu ser apenas o humilde eu mesmo. Se estou a me refestelar animalescamente entre Marzipãs de cacau, vinho, música degradante ou os seios de uma prostituta; saiba, cruel mundo, que já enojei-me da premissa de amor que sempre me prometera e me faz sofrer noites acordados e dias em desânimo total. ( Gesticula como em dança, e olha com ira para a "plateia" )
- Após tamanha decepção, recuso-me novamente a perder meu sono, aguardando a sorte soprar em meu favor. Meu sonos tornam-se hibernações profundas, e meu despertar é desanimado e lerdo. Sem razão para me levantar da cama, encho a taça de vinho e nego ao mundo o prazer de meu sofrimento. Esse ficará guardado apenas comigo. Invejo aqueles que já morreram e não se fazem obrigados a serem conduzidos pelo rebanho do próprio destino. ( As lágrimas escorrem e começa a soluçar ) Porém não o darei mais este sabor, e minha tortuosa viela de vida acaba agora ! ( Trêmulo, saca um punhal cuidadosamente afiado e corta a própria garganta, com paciência e calma odiosa ).

O sangue escorre pelo palco e mancha a madeira de vermelho-vinho.

Da plateia ouve se apenas o lento bater de palmas de Mefistófeles, com seu tamanho inumano e silhueta diabólica coberta pelas sobras do lugar mal iluminado que ocupa.


sábado, 3 de outubro de 2015

O Canto Perdido.

"A outra vida soprou-me uma canção desesperada; que outrora fora embalada pelas primeiras Vespas nos esgotos e arredores da primeira Colmeia, ainda antes do primeiro horror.

"De um mundo perdido, falamos.
 Sem ruas ladrilhadas, só o ranger de máquinas;
 O trabalho incessante
 O silêncio agoniante,
 O medo que consome espaço;
 O esperamos das profundezas
 Do Oceano;
 Mas de nossas entranhas
 Vem o cheiro que o atrai;
 Os ferrões nos rasgam
 Mas é o mel que sai.

 A cruel roda do Destino,
 Acende e apaga a Lua,
 Arbitra por tudo que há
 Purifica de forma nua
 Em forma de duas expressões;
 O cara-e-coroa do existir
 E brilho final dos seus olhos
 Nas lanças dos Zangões.

 O sangue ainda é fresco
 E nem por mais mil anos esqueceremos
 Do horror que mostrou sua primeira face,
 Criado na Cidade das Brumas
 Pela desobediência ao Arquimago;
 Mistério que se fechou com Abelha-Rainha,
 Em sua mão,
 Porém nasceu puro
 Nos olhos do Centurião.

 Que algo tenha piedade
 Do que sobrará de nossas almas."

 Um terremoto interrompeu a leitura de Mikhail, e quando olhou para a parede norte da Colmeia, viu a coisa se erguendo."




domingo, 6 de setembro de 2015

O pássaro vermelho de Persopunto.

"Sob a vontade dúbia dos Grandes, vivia o povo de Persopunto.
 Banhados pelo Mar do sul e com um grande bosque lotado de laranjeiras à orla do vilarejo; essa pacífica gente compartilhava de comunhão amorosa com a natureza da terra e do mar. Porém a natureza divina mantinha seu grande olho panóptico com singular interesse sobre tão brando povoado.
 O interesse divino já transparecia sua sentença com uma particular condição : Os pássaros da península apenas sobrevoavam o povoado; nunca por lá pousavam. Em uma noite; mais certamente, O festival de teatro infantil; durante um recitação poética de um jovem envergonhado, algo surge para tornar seu medo de plateia em um medo superior : Um ser com máscara de barro em formato de aberto sorriso vazio, com negro e surrado chapéu que lhe cobria toda a cabeça e uma roupa suja de jardineiro estava à distância observando a todos. Incomodado, o prefeito Jaime Carlo foi ter com o forasteiro. Este se limitou aos versos :

Na terra das laranjeiras, as aves não descansam;
Incorreto é o homem que vive sem corrupção
Assistam, enquanto as cinco flores dançam,
Seu desejo virar maldição.

  "Após essa estranha profecia; o sujeito caminhou calmamente em direção ao mar, até sumir dentro das águas.
  Os dias passaram até a primeira experiência de medo daquela gente virar apenas obsoleta memória. Porém a natureza do oculto tem forte palavra, e numa nublada manhã pousa no relógio de sol da ágora um grande pássaro vermelho. Devagar e com difusos sentimentos, as pessoas chegam para observar a belíssima e curiosa ave. Alguns trazem sementes, de abóbora, girassol e laranja; e de bom grado a ave come todas. O mistério que trouxe o pássaro consigo acabara por se tornar um culto de bom sinal pelo inocente povo. Todas as colheitas possuíam tributos à notória ave.
Até o fatídico dia.
As provisões para a grande seca sumiram do estoque, em uma noite. Um falatório desesperado possuiu os arredores dos cinco celeiros, então o prefeito chama o povo para um inquérito que acabara se rumando a um acusatório entre vizinhos. Com perguntas sobre os afazeres daquela noite e quem viu quem em que lugar; o nome de um morador solitário acabara por ecoar algumas vezes seguidas na multidão.
Guido Sotis.
 A massa se voltara para o franzino rapaz ; e seu suor escorria por seu bigode e cavanhaque. As perguntas o pressionavam e o dedo do prefeito apontado para ele ganhava um contexto sentencial. Aos gritos de inocência e armação o jovem era levado pelos homens para ser questionado sobre o paradeiro das provisões.
  Preocupado, o povo foi juntar o que poderia sobrar dos mantimentos.
  Mesmo com o alvoroço, o pássaro não movia uma pena.
  Guido insistia que nada havia roubado, embora ninguém pudesse provar o contrário. Em uma condenação injusta do enraivecido prefeito Jaime Carlo, Guido seria executado,em cinco horas na ágora. Aos berros, fora amarrado na base do relógio de sol, aonde estava o misterioso pássaro.
 Cinco horas,marcava o relógio,e a ave não estava mais lá.
 Sob forte pressão e revolta popular, Guido aceitava e confessava seu crime.
 Balançando como um pêndulo, Guido jazia em contraste ao crepúsculo.
 A comida não retornara, e as lembranças do julgamento do solitário rapaz morriam rapidamente na fome que o povo enfrentava durante a seca. Crianças adoeciam até a morte, enquanto seus enfraquecidos pais lutavam pra manter viva a família com laranjas restantes do fim do outono.
 De longe, observava Guido. Olhava com certo desgosto para o povoado, mais por seu sofrimento do que pela condenação injusta. Guido vira o prefeito vender na calada da noite, e aos poucos, as provisões a um comboio encapuzado. Teve medo de contar, mas quando finalmente sua voz faria justiça, estava com uma corda na garganta. Vestiu uma roupa vermelha e suja de jardineiro, botou seu chapéu...E suspirou antes de por a máscara risonha de barro e sumir pela floresta com o grande pássaro vermelho sobrevoando-lhe."

Escrito sobre os efeitos influentes da lua crescente.


 

sábado, 22 de agosto de 2015

O Primeiro Horror.

"Não posso dormir com o barulho das águas.
 As ondas rancorosas ressoam as mágoas,
 De pobres almas que no mar ganharam sentença
 Então me levanto, e dou ao oceano minha presença.

 A madrugada fria ganha força com vento,
 Mesmo em devaneio percebo o aumento
 De maré se arrastando lânguida pela areia,
 E das sórdidas águas emerge uma sereia.

 Não como nas histórias de fantasia,
 Pois dessa mulher eu sentia a agonia.
 Seu espírito jazia alquebrado
 E seu corpo, ao mar acorrentado.

 Sua voz rouca implorava por ajuda,
 Não consegui mover, senti a garganta muda.
 A farroupilha sereia começou a deformar,
 Seu fraco corpo e a areia estavam a se misturar;
 Num instante de horror e pânico excessivo,
 Meu corpo logo me tornou vivo;
 Corri para a choupana beira-mar
 Tranquei a porta
 Esperei a noite acabar.

 O medo me fez curioso, embora sentisse uma forte cólica;
 Mas venci meu receio, fui entender a aparição diabólica.
 Na mesma hora, do seguinte dia, retornei à praia;
 Logo em seguida, vi algo preso na raia
 Que coloquei para delimitar o lado seguro para nado,
 Mas naquela hora
 Nadar não seria meu fardo.

 Um corpo singularmente familiar,
 E quase vomitei
 Quando vi
 Meu corpo estava a balançar.
 Virei-me para ceder ao medo novamente,
 Porém, perto da choupana vi algo surpreendente ;
 Uma figura se movia em lentos passos :
 Possuía duas cabeças
 E seis braços.
 Proferia sem cessar, um canto em línguas estranhas,
 Então logo senti um calor nas entranhas.
 Sangue.

 Acordo suado e pela janela só vejo o dia raiando,
 Olho pela janela e me sinto aliviando.
 Tudo não passara de sonho,
 Exceto pela poça de sangue em minha cama."