domingo, 21 de dezembro de 2014

A Cidade Das Brumas.

"A palavra faz a magia.
    Era a inscrição gravada em carvalho polido, que recebia os olhares aos portões da cidade das brumas. Apenas olhares, pois em sã consciência, ninguém desejaria se aventurar pela cidade proibida de atmosfera eternamente soturna. Em limites bem definidos com a Cidade das Brumas, estava Isolatua; uma vila pacífica na encosta de uma serra, aonde só os mais suaves ventos cantavam. Entretanto, se estiver na praça central de Isolatua e olhar de costas ao monólito que enfeita o meio da vila, verá os portões eternamente entreabertos da cidade proibida. Então perceberá que os ventos calmos que sopram a paz na vila são na verdade ventos tristes com vozes de uma língua antiga que trazem apenas a paz da morte.
   Não há uma cerca entre a cidade proibida e a vila, que ficam a poucas braçadas de distância uma da outra, tendo nesse entrecaminho apenas guardas imóveis com lustrosas armaduras de aço polido. Quando há iminência de ameaça, sacam as longas espadas e posicionam-se em linha perfeita, sem a mínima hesitação; totalmente automáticos. Contrastam bem com a vila rústica, e de pessoas simples e mineradores de carvão.Nunca souberam quem eram esses guardas nem de onde vieram. Mas sempre que um sumia, outro aparecia em seu lugar instantaneamente. Isso mesmo, sumia, pois não haviam rastros de sangue ou corpos; nem mesmo alguma peça da armadura. Simplesmente desaparecia.
   A cidade das brumas possuía cinco setores : A velha floresta, aonde dizem morar seres vis e de almas podres; O cais, uma construção abandonada voltada para o lago de água turva e parada; O pântano, escondido na margem da floresta; a área da Grande Casa uma das únicas construções que ainda está intacta; e a mais incômoda aos olhos : A Torre do Templo, que não é exageradamente grande, mas sabe-se que abriga o necromante fundador e único morador daquela cidade inóspita. O dito na placa da entrada é única frase compreensível que por ele já fora dita, o resto são murmúrios aterrorizantes em três tempos, que podem ser ouvidos a larga distância.

UTZIPREB ZENIO NEZTLIH !

   Corvos voaram de dentro da cidade das brumas e se espalharam pelo céu. Os mais curiosos saíram da cama para ver se havia novidade pós-grito do necromante, porém se decepcionaram ao se deparararem com o mesmo estranho evento anual. No início da semana de Natal, todo ano o necromante grita ao vento murmúrios variados ou incompreensíveis à distância ou até mesmo de perto. Os arrepios percorrem em uníssono as espinhas de todas as crianças da cidade quando o grito é emanado. Os curiosos voltaram para suas camas quentes, pois amanhã começavam os preparativos da comunidade para o Natal. Se tivessem ficado mais, veriam o clarão verde emanar ligeiramente da velha floresta.
   O dia seguinte começou ensolarado com bastante nuvens para deixar o clima agradável e ameno. o fervor dos vilões com os preparativos de Natal era alto e naturalmente caótico, porém pintava de um vermelho natalino e alegre a pequena Isolatua. O aconchego se estendeu laborioso até o fim do dia, e das casas era possível sentir um...

OKEZT' AREDNEM IZIB !

   O furor foi interrompido pelo grito do necromante. Toda a vila em silêncio observava a torre em silêncio, enquanto o crepúsculo tentava dizer algo timidamente. Quietamente, a praça da vila e suas ruas adjacentes foram se esvaziando. Havia algo diferente naquele ano.
   De noite chovia forte, e os pingos ariscos ricocheteavam nas armaduras dos imóveis guardiões da cidade. A areia da orla ficava densa.Um trovão cai. Alguns segundos após, as nuvens de chuva se agrupam acima do centro da velha floresta.
   Os dias seguintes seguiram-se com o devido furor e alegria do qual começara a semana; e no fim de tarde da véspera de Natal, todos iam à igreja orar,agradecer e fazer seus votos de Natal ao Cristo. A união da cantata em latim era aconchegante e inspirava as histórias bíblicas nos corações dos fiéis. A igreja oferecia ceia farta e música constante, e os risos e conversas altas recheavam de vida o ambiente.
   Madrugada de Natal, a vila estava quieta e escura, e os ventos sopravam o mesmo tom de sempre. Pararam por um instante. A figura do necromante cruza o potão da Cidade das Brumas e caminha lento em direção à vila. Os guardiões o acompanharam severamente apenas com olhares, e quando ele sai do campo de visão destes, voltaram sua atenção ao vácuo do portão da cidade das brumas.
  O rosto do necromante era demasiado branco e seus olhos com pupilas sempre dilatadas olhavam fixo para frente. Andava sempre com a boca aberta e tinha o maxilar alargado, o que lhe cedia um aspecto monstruoso.Andava manco, como se estivesse com uma das pernas quebradas, e trajava uma túnica roxa com a impressão em tinta preta de uma mão espalmada no peito.
  Chegou ao monólito de pedra no centro da vila e tocou-o com sua fina mão esquerda. O monólito emitiu luz branca de seu centro e apagou. Instantes após, três crianças saíam de suas casas em direção ao necromante, num efeito puramente mesmérico. O necromante e as crianças adentraram caminharam em direção ao portão da cidade das brumas.
  Duas moças e um rapaz. Hipnotizados e com os olhos branco-esfumaçados caminhavam atrás do misterioso necromante pela densa velha floresta. Uma das moças acorda inexplicavelmente do transe e antes de gritar tapa sua boca e sufoca sua morte, por mais alguns instantes. Ela sabia o que estava acontecendo. Ela foi escolhida.
  Seguiu o grupo sem desfazer a postura,mas olhava pros lados. Via vultos mancando, dezenas deles. O necromante os arrancava de seu sono para vagarem moribundos pela cidade de denso nevoeiro. Eles passavam por ela e nada faziam além de olhar profundamente em seus olhos. Isso dava desespero à moça.
   Uma voz rouca rasgou o ar como uma seta venenosa : -"Não os ponho de pé para impedir que entrem. Os invoco para impedir que ele saia." Era a voz do necromante, que fez gelado de medo o coração da moça. Ele continuou : -"Eu sei que acordastes, sacrifício, você é a Utarekua." As outras crianças viraram suas cabeças com olhos brancos para trás e encararam com ar vazio a Utarekua.
  Chegaram ao templo com a torre, e o salão principal estava todo preparado e iluminado para uma cerimônia. Doze sombras humanoides com diferentes máscaras, como as que viu nas paredes das ruínas de pedra na floresta. As sombras estavam de costas para um sarcófago na horizontal, e mais atrás um altar com um livro aberto. Na parede de trás havia o desenho de uma pessoa pequena louvando o que seria uma enorme sombra daquelas, com uma máscara de aspecto demoníaco com uma espada. Embaixo haviam três tubulações que levavam a sulcos no chão, que iam em direção ao sarcófago.
  As duas crianças se posicionaram de joelhos em frente aos tubos e abaixaram as cabeças. As sombras voaram vorazes e devoraram as crianças vivas, que não davam sinal de dor.O Sangue escorria pelos sulcos e caía no sarcófago, e então um berro sem sentido quebrou o silêncio do lugar. Dos corpos ao chão saíram as almas das crianças e voaram rápido em direção à boca do necromante, que as engoliu.
   As sombras fazem um corredor entre o sarcófago e a Utarekua. A tampa do sarcófago é gentilmente empurrada e de lá sai um ser com aspecto humano, porém tomado pela escuridão em um preto máximo, como se fosse uma das sombras,entretanto sólida, e embebido em sangue. Possuía a máscara diabólica do registro na parede do templo. Pegou sua espada no sarcófago e veio lentamente na direção da moça, que estava quase em pânico, porém sabia mais do que nunca qual era seu chamado. Seu coração parou de palpitar forte e levantou a cabeça.
  Alatipak era o nome da divindade que vinha marchando lentamente, com a espada em punho. Era o Deus da morte e caminhava pelo mundo dos vivos para estender sua natureza.
  A voz veio do outro lado do templo : -"Se gritares com a criatura, ela recua. Te mata e depois volta ao sono. Você foi escolhida para ser a necromante que agora guarda esta cidade amaldiçoada. Cumpre teu dever e salva nosso povo."
  A criatura possuía aparência horrível.
Tomada pelo medo, Utarekua renunciou seu dever e correu. O necromante antigo gritou palavras velhas, porém não possuía mais seu poder, então não pôde descansar em paz. Fora do templo, na velha floresta, ouviu os gritos desesperados de uma alma que estava fadada à tormenta eterna, e agora, as sombras eram treze.
  Alatipak destruiu a porta do templo e rumou em direção á vila. O Natal fez com que todos descansassem em suas casas, despreocupados.
  A morte era livre para caminhar mais uma vez."

 
 

 


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