domingo, 28 de setembro de 2014

O Vício.

"Se estiver lendo esta carta, saiba que seu destino fora abandonado quando tocou esse papel.
  As manchas de sangue que trilharam rotas confusas e entrelaçadas pelo vestido branco da moça que me segurava, selavam as últimas atrocidades que esses olhos já viram.
 Até o momento que você a abriu.
 Não se desespere, a morte vai esperar você terminar de ler.

 Prezada Vida,

 Deu-me tudo o que negou para centenas de outras pessoas, me mimou como se fosse teu filho predileto e malcriado. Nunca deixei de mamar confortável em teu seio enquanto o mundo sangrava e se afogava em convulsões e sangrias.
 Nasci com o prestígio de manipular a raça humana através de poder e barbaridades que só uma criança tendo sua própria companhia durante a infância pode proporcionar.
 Lamento ver isso apenas no colo da morte.
 Depois de grande, a vida não foi menos injusta : Possuí dezenas de mulheres como se fossem um artigo de luxo sem alma nem objetivos além; e confesso que após cada delírio que aquelas damas me davam eu punha minha roupa e as mandavam embora, implorando que qualquer uma delas voltasse e me despisse novamente mas não para procurar por mais prazer, e sim para mimar meu coração que implorava por afeto materno.
 Talvez eu devesse parar de levar minhas mães para a cama.
 O rei fora decepado pelos revolucionários e a nobreza virou caça esportiva.
 Nunca vi nada sangrar tanto quanto minha família.
 O vício que me prendia a vida me manteve vivo e alimentado pelas ruas frias.
 O vício que me obrigara a trabalhar para poder continuar a me lambuzar de cerveja preta e prostitutas mais astutas e gananciosas que as da corte.
 Inicia-se a Era do Desencantamento.
 O mundo ficou vermelho e cinza para os mais desafortunados.
 E o que será de mim neste inferno ascendente ?
O trabalho duro tomava conta de mim ao longo dos anos, e os patrões viviam como os verdadeiros porcos da nobreza que eu pertencia.
 Desejo de volta, mais do que tudo, esse chiqueiro.
 Os ouvidos das profundezas mais imersas do inferno têm ouvidos astutos, e como fosse uma resposta, um homem aparentemente rico me aborda na rua, e disse que pode me oferecer de volta tudo que eu já tive. É um mistério como ele sabia, mas minha fome incessante por alimentar os pequenos parasitas do meu desejo falava mais alto.
 Me deu um contrato que dizia que tudo que eu devia fazer era nunca me apaixonar na vida.
 Pedido ridículo, tolo homem.
Me cumprimentou polidamente e disse que eu fosse um mínimo paciente. Cheguei no real chiqueiro que era minha casa atual e me preparava para dormir sem jantar, quando ouço batidas na porta.
 Por razão infantil e covarde não quis abrí-la de imediato. Quando abri vi uma cena deveras incomum : Um dos nobres parara à minha porta e pede abrigo; foi assaltado e estava coberto de sangue, além de fraco e todo ferido. Havia algo interessante nele.
  Era muito parecido comigo, porém mais jovem. O destino sorriu para mim novamente.
Amarrei sua boca e enterrei o moribundo embaixo da minha casa. Peguei suas roupas e rumei ao castelo.
 Duque Wagner era seu nome.
 E agora, o meu.
 Me infiltrei na corte novamente. Meus vermes voltaram a crescer gordos e quietos.
 Descobri que por ser o mais jovem dos nobres, fui prometido à viúva Rainha, para que o país tivesse sua Monarquia restabelecida.
 Passei dias agradáveis com a Rainha, era uma mulher encantadora, e o amor que fazíamos era diferente de todos, pois sentia seu coração parar junto ao meu no fim.
 Lembrei com era ser mimado e tratado como o Rei que eu seria.
 Revolucionários entraram no castelo e inciou-se a matança de  empregados e nobres restantes, impiedosamente.
Me tranquei na grande e impenetrável torre Norte com a Rainha, que chorava em meus ombros.
O silêncio dominou o castelo após algumas horas, e nos amamos apesar de toda a loucura que houvera lá embaixo.
 O mundo pertence apenas aos apaixonados.
 Conversamos sobre a vida, e sem mais explicações sobre os incidentes no começo da Revolução,
 Descobri que ela era minha mãe.
 A loucura devorou qualquer humanidade que havia naquele quarto.
 E em meu bolso estava o contrato que fiz.
 Entendi.
 Pedi para que a rainha me matasse antes de matar a si mesmo.
 Meu espírito não pode carregar este ardil ao túmulo, então o aprisionei neste papel, junto com meu sangue
 E o que sobrou da essência da minha vida."

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