domingo, 15 de março de 2015

O Processo da Morte.

"A morte parece menos horrível quando se está cansado." Simone de Beauvoir

"É extremamente doloroso e desencorajador descer todos os dias a este canto do inferno. Este canto frio e escuro salpicado das luzes da rua é uma sala de interrogatório que as trevas do meu espírito me carregam para uma audiência de tempo inconstante. Quando elas se sentem entediadas ou incomodadas, sussurram pânico e tratam de incendiar minha curta paz como se incendeia uma carta de ex-amante. Devagar e deleitando cada milímetro que o fogo avança e corrói a própria existência do papel.
 Esse processo de sentar, maturar e escrever - Sejam crônicas, romances, poemas, tratados ou lamentos - Deveria ser um talento nato e inspirador, que carregaria as palavras pelos textos como o vento carrega os aromas do campo. Porém este fatídico processo é de morte. Um a um, depositam-se partes do próprio eu que deviam ser aproveitadas para construir-se algo que mais pessoas pudessem desfrutar. Livros, artigos, manifestos; qualquer obra, por mínima que fosse afim de iluminar que seja um passo de uma pessoa. Um passo que esta pessoa dá em direção ao sonho.
 Os sonhos se desmancham e são julgados quando chega-se ao fim da vida. Porém é possível descobrir, nesse meio tempo entre nascer e morrer; a inconsumível e insaciável maçã do Éden : A destrutiva arte da metafísica.
 Gastar algumas interruptas horas da sua vida com perguntas de pouca utilidade prática podem, sinceramente fazer-te enxergar a contagem regressiva à tua morte. Se aproximar do conhecimento metafísico é como ir em direção a uma pantera; uma vez que a fera te enxerga, não há fuga. Embora todos saibamos que temos um fim, nos negamos a aceitá-lo. A vil ganância por progresso e acúmulo de bens parece assemelhar-se a essas sombras que sussurram desespero em meus ouvidos. Porém no ouvidos dos gananciosos mentem a eles algo sobre riqueza e imortalidade, fazendo o sangue chegar perto de ebulir de tanto furor.
  Os relógios do meu tempo não fazem tic-tac, porém a mudança abrupta de algarismo libera alguns instantes de vozes das almas que se perderam no vão do tempo.O pouquíssimo ou nenhum conhecimento que possuo de metafísica é um canal frágil. porém nítido para canalizar estas vozes perturbadoras no interior da minha mente. Os gritos fazem ecos nas paredes do meu crânio, depois descem à língua e sinto gosto de fuligem. Fuligem ou cinzas de corpos queimados.
 Quando finalmente volto a mim, o desespero se acentua, pois ainda não posso me sentir aliviado por ter morrido, de fato."

S.


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